Elisabeth decidiu vir ao mundo a
passeio. Logicamente antes de voltar para a matéria, lutou bravamente contra
essa tendência, mas apesar do esforço inicial, ainda na infância, sucumbiu ao
marasmo que lhe puxava. Ninguém pode negar, “dá muito trabalho querer ser um
cisne”. Ah sim, foi isso que ela disse quando a mãe lhe contou a história do
“Patinho Feio” pela primeira vez. A mãe ficou preocupada achando que a filha
poderia ter algum atraso cognitivo por não ter compreendido a história, mas na
verdade mal sabia ela que aquele corpinho pequeno e gordinho de criança
escondia uma alma muito vivida nesse assunto. Elisabeth sabia do que estava
dizendo, ser diferente, seguir por caminhos próprios, avançar nas próprias
dificuldades, evoluir dá muito trabalho. Ela, porém, mesmo estando parcialmente
correta em seus pensamentos não abria sua percepção para outros ensinamentos
que a história trazia: apesar dos momentos de tristeza, do esforço, do medo, o
patinho que se descobriu cisne teve grandes conquistas, sua trajetória valeu a
pena e o desfecho feliz traz uma clara metáfora da plenitude que tanto
almejamos.
Com
a visão estreita, Elisabeth preferiu permanecer pato mesmo, fazendo tudo para
ser igual à maioria, de preferência aquilo que desse menos trabalho. Profissão,
relacionamento, filhos, religião, pensamentos, roupas, viagem, tudo tinha que
ser absolutamente normal. Se as vizinhas comentavam e riam sobre o programa de
televisão, Elisabeth ria também. Se o grupo de oração criticava o mesmo programa,
Elisabeth criticava também. “-Para que fazer coisas diferentes na vida e
arrumar sarna para se coçar? Para mim o que importa é minha família e o resto
agente vai levando.”
Essa
filosofia de vida, na verdade camuflava, um medo terrível que ela tinha, desses
que se escondem direitinho dentro da gente, de ser excluída, ridicularizada,
fofocada. Por essa razão, como se fosse uma massinha, se moldava nos padrões de
cada grupo em que estava, tudo para não ser descoberta, quer dizer para não
descobrir-se, perceber quem realmente era. Quando chegou aos cinqüenta anos,
carregava consigo uma biografia escrita por suas próprias mãos, apesar da
sensação de nunca ter escolhido o que queria, como se fosse possível alguém
viver uma história que não lhe pertencia. O cisne, essa força pungente
evolutiva, agora gritava em seu peito em forma de variados sintomas, não queria
mais esperar nenhum segundo para ser revelado.
Mas Elisabeth, mesmo sofrendo com a dor de “permane- SER” pato, não queria
pagar o preço de tamanha mudança. “- O que vão dizer de mim se eu fizer isso ou
aquilo? Logo eu uma mulher tão distinta!” A resistência de deixar o conforto do
conhecido, trouxe a doença de insistir no que já está velho, embolorado. Ela
fantasiava a angústia de ter que mudar as aparências, sem preocupar-se em mudar
primeiro a essência.
E
assim empacada em suas limitações, mesmo sem perceber, Elisabeth para lidar com
tamanho desconforto, começou a vomitar essa pressão que a fazia sentir-se tão
pequena, inferiorizada. Cega diante de suas necessidades, passou a criticar
ferozmente quem saísse dos seus padrões. Diante de frustrações, nunca assumia a
responsabilidade de seus atos. Elisabeth tornou-se extremamente maledicente e em
pouco tempo, no fundo sentia que ninguém mais prestava no seu conceito. Agora
era ela a pata a bicar os diferentes, assumiu o papel do algoz que tanto temia
encontrar nos outros, tornava-se agressiva diante daquilo que a incomodava e
não media as conseqüências das suas palavras. Elisabeth maldizia como se assim
pudesse excluir quem a fazia lembrar das diferenças, dos desejos, dos sonhos,
dos preconceitos, da arrogância que co-habitava nela.
A maledicência é uma doença de patos, por isso não basta querer parar de
maldizer a vida alheia, há que se buscar a conquista do ser pleno.
Elisabeth segue maldizendo por aí, mas como a vida é tão linda, não tardará o
momento em que ela irá se deparar com a própria imagem no espelho amoroso da
transformação pessoal.
Um abraço,
Bia Molica
Ps: Você poderá gostar do livro:
"O vôo do cisne: a revolução dos diferentes" de José Luiz Tejon
Megido, editora Gente. Uma leitura simples, mas que faz refletir.
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